sábado, 27 de dezembro de 2008

Araçoiaba: cidade mais pobre do NE

 Em plena Região Metropolitana do Recife (RMR), a 58 quilômetros da Capital, a cidade mais nova de Pernambuco, Araçoiaba, é o município com o maior índice de pobreza do Nordeste, de acordo com a última pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por volta das 7h30, as ruas de Araçoiaba ainda estão vazias e o silêncio predomina. Entre as pessoas que ousam aparecer, a maioria são mototaxistas. O trânsito não tem mão, contramão, placas ou semáforo. Mas nem precisa. A população de aproximadamente 18 mil habitantes possui pouco mais de 650 veículos, somando-se carros de passeio, motos e caminhonetes. E por sinal, eles mal são vistos circulando. Seguindo até o Engenho Canaã, o calçamento desaparece e os labirintos surgem em meio às ladeiras dos canaviais. Como se estivesse escrito no destino, não é possível chegar lá sem antes passar pelo Purgatório. Calma, é só o nome de um outro engenho.
A dona de casa Maria José da Silva, 53 anos, chegou à Canaã na década de 1970 e acabou tomando posse de uma residência em que o pai trabalhava, depois que os proprietários foram embora. Como todos na região, a aparência é mais velha do que a idade verdadeira.  O rosto cansado demonstra os anos de trabalho árduo na lavoura, serviço que faz desde criança. Ao todo, tem 12 filhos e 20 netos. Ela vive em uma vila composta por sete casas, onde estão distribuídos cinco filhos e diversos outros parentes. O lugar é distante até da área central de Canaã.

Todos os homens da família trabalham no corte de cana, o que lhes garante emprego apenas durante seis meses, no período de safra. O fato é corriqueiro entre a sociedade araçoiabense. Durante o resto do ano, na época de entressafra, os que não são reaproveitados nas usinas lutam para conseguir alguns biscates, o que não é muito simples. Não há onde trabalhar em Araçoiaba. Dois dos filhos de Maria José foram para o sul do País em busca de emprego. Para reduzir as despesas com alimentação, a terra boa co
stuma ser aproveitada para a plantação.Na cozinha de Maria José, o cheiro da comida é de dar água na boca, típico de cidades do Interior. Hoje, ela prefere usar o forno à lenha para economizar e até para não faltar gás. Há cinco anos, o gasto era maior, já que não havia energia no local e a casa era iluminada por candeeiros. “Já passei 15 dias sem poder cozinhar direito porque não tinha como ir buscar os botijões de gás”, conta. Aliás, a distância do centr
o da cidade (mais de cinco quilômetros) e a dificuldade de transporte são as maiores queixas desse povo. “Dependemos dos ônibus escolares, que, quando chove, não vêm, ou de mototáxis, que custam R$ 7. É muito caro. Sem contar que de noite eles não querem vir porque têm medo de assalto”.Para alguns, como Amanda, de 10 anos, sobrinha da dona de casa, muitas vezes a saída é enfrentar uma caminhada de meia hora sob o sol escaldante. O sofrimento com a locomoção também aparece quando alguém tem problemas de saúde. “Parei de trabalhar na roça desde o ano passado porque comecei a sentir muitas dores nas costas e na coluna. Teve um dia, à noite, que me senti muito mal, chamei uma ambulância e ela não veio”, lamenta Maria José. 

Residências do centro são bem localizadas

De bem cuidadas e equipadas às mais humildes. Existem casas de todos os
 tipos na Vila do 15. Os moradores parecem preocupados com a pintura das residências. Bem coloridas, lembram desenhos animados ou brincadeiras de menina. Crianças carregam baldes com roupas para lavar. Na entrada do lar em que vivem, é possível ouvir a voz inconfundível da polêmica cantora inglesa Amy Winehouse. O som deve sair de algum aparelho de rádio, mas aquelas pessoas não aparentam conhecê-la e nem devem saber dos escândalos envolvendo a artista.

O responsável pelo sustento da casa é Edmílson Fernandes da Silva, 36, mais um cortador de cana que tem muitos filhos - sete ao todo - e precisa arrumar ‘bicos’ para ganhar dinheiro durante a metade do ano. Nas últimas semanas, ele tem trabalhado onze horas por dia. Além dos R$ 450 mensais, recebe R$ 122 do Programa Bolsa Família, renda que praticamente desaparece no período de entressafra e não é suficiente para garantir algumas necessidades. “Sempre falta uma roupa ou um calçado porque o que ganho é pouco. Meus filhos de vez em quando discutem comigo. Não tenho como dar essas coisas com freqüência a eles”, argumenta.

O ambiente da casa é minúsculo. A circulação de crianças vizinhas acontece 24 horas, o que triplica o número de pessoas no lugar. O local é tão pequeno para a quantidade de gente que, para se ter uma idéia, o fogão fica quase que colado a uma das camas. Ao contrário do que acontece em Canaã, distante de tudo, Edmílson tem mais chances de se comunicar e locomover, pois mora em frente a uma parada de ônibus e um orelhão.A mulher dele, a dona de casa Sandra Maria Damascena, 27, teve o primeiro filho quando tinha apenas 12 anos. O casal, no entanto, não aprovaria uma experiência parecida para uma das crianças. Para eles, os tempos mudaram. “Antigamente era mais comum, eu não ia gostar e nem aceitaria que meus filhos fizessem igual”, afirma Edmílson.

Famílias sofrem para conseguir água

Algumas casas possuem água encanada, principalmente as localizadas no centro
 de Araçoiaba. Mas, nos engenhos distantes, a situação é bem diferente, literalmente deserta. Dia sim, dia não, Eronildo Manoel da Luz, 23 anos, precisa dar de três a quatro viagens de mais de um quilômetro, no Engenho Vinagre, carregan
do um balde d’água. O trabalho é dividido com um irmão e com um burro, que transporta cerca de cinco recipientes. “Se não tivéssemos o animal, a gente teria que carregar tudo na cabeça”, revela o jovem.

E ele fala bem mesmo. As palavras são muito bem pronunciadas e articuladas de uma forma que lembram a oralidade de radialistas. Essa percepção bateu na trave. A voz trabalhada de Eronildo é de cantor. Ele canta em igrejas evangélicas e trabalha como auxiliar de pastor. “Meu sonho é cantar, louvar a Deus. Nos cultos (que freqüenta três vezes por semana), quando o pastor falta, eu tomo à frente. Mas não pretendo seguir carreira, é um caminho em que é preciso muita dedicação”.

À noite, o horário dos cultos também precisa ceder espaço para a educaç
ão. Apesar de cursar o terceiro ano do Ensino Médio e não faltar a uma aula, a perspectiva de futuro em função dos estudos é inexpressiva. Ao ser questionado sobre essas expectativas e a possibilidade de ingressar em uma faculdade, Eronildo desconversa, volta às questões do canto e da igreja. A atitude pode ser justificada pela distância. Onde poderia se graduar em Araçoiaba?

Prefeitura discorda dos números

Os número assustam. Segundo o primeiro Mapa da Pobreza e Desigualdade, estudo produzido pelo Instit
uto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),  61,4 milhões de brasileiros vivem em situação precária. De acordo com os dados coletados há cinco anos e divulgados agora, 76,8% das cidades abaixo da
 linha de pobreza são nordestinas. Araçoiaba, na Região Metropolitana do Recife (RMR), tem o pior índice, com quase 81% da população considerada pobre. O município é seguido por Carnaubeira da Penha, no Ser
tão do São Francisco, Granito, no Sertão do Arararipe e Camaragibe, mais uma surpresa na RM
R.

O dicionário Houaiss de língua portuguesa apresenta ‘miséria’ como “estado de sofrimento muito grande e carência absoluta de meios de subsistência”. Não é exatamente o 
que acontece em Araçoiaba, onde a maioria das pessoas consegue garantir alimentação por meio de plantações. O economista Josué Mussalém explica que uma cidade em que a população trabalha apenas seis meses gera uma distorção estatística, pois existem a renda oficial - dos empregados dos engenhos e usinas que mantém carteira assinada - e a renda formal, que não consegue ser captada pelos números.

“Muitas vezes essa população tem a agricultura como meios de subsistência e uma renda de certa forma indireta, em que o dinheiro não circula. Isso diminui o impacto negativo dessa pobreza”, detalha Mussalém. A monocultura da cana é a única saída para os moradores e se não fosse ela, a situação poderia ser pior. “Se eles não tivessem a cana ia ser preciso encontrar outra opção, o que naquela área seria difícil. É preciso descobrir outras vocações para a cidade, certos municípios viram pequenos centros de produção de vinho ou de rapadura, por exemplo”.

A Prefeitura de Araçoiaba acredita que os números são antigos. “Acho que já fomos a cidade mais pobre, hoje, não somos mais. Um exemplo é que tínhamos três mil analfabetos e reduzimos esse índice pela metade, por meio de um trabalho voluntariado”, afirma o prefeito Alexandre Sobrinho (PMDB). O político deve permanecer à frente do município mesmo após perder as últimas eleições para o candidato Hildemar Guimarães (PSB), o Cuscuz, que teve o registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter contas rejeitadas em sua gestão (2000-2004). Como Cuscuz não atingiu 50% dos votos válidos, não há a possibilidade de uma nova eleição. Sobrinho foi o segundo mais votado pelos eleitores.


FINANCIAMENTO
O secretário-executivo estadual de Desenvolvimento e Assistência Social, Acácio Ferreira, anuncia que o co-financiamento do Governo em projetos para municípios e entidades irá subir de R$ 7 milhões, em 2008, para R$ 15 milhões no ano que vem. O edital será lançado em janeiro e as cidades precisam se habilitar para receber a verba. Araçoiaba deve fazer parte das cidades prioritárias para receber programas como o Vida Nova, que visa criar centros para adolescentes e usuários de drogas, e o Pernambuco no Batente, que pretende capacitar as famílias beneficiadas pelo Bolsa Família.

Famílias sobrevivem em área invadida

A maior miséria, no real sentido da palavra, pode ser encontrada em um ter
reno invadido por 35 famílias, há aproximadamente dois anos, ao lado do cemitério da cidade. Lá, algumas casas não tem nem chão. A de Maria de Lourdes Ribeiro, 47, na rua São Lourenço, é um lixo só. Teias de aranha e latinhas de refrigerante em estado de decomposição são alguns dos exemplos, em parte ocasionados por um ce
rto descaso. Devido aos dejetos, a região é visitada diariamente por milhares de moscas.

Maria de Lourdes mora com seis filhos e o marido. Sobrevive com os 
R$ 122 mensais que recebe do Programa Bolsa Família. Faltam comida, roupa e higiene. Mas todas as crianças estudam. Ela se emociona ao falar que não tem expectativas de que a vida melhore. “Aqui é um lugar em que ninguém ajuda ninguém. Me sinto feliz porque amo meus filhos, apesar de não ter condições de dar tudo o que eles querem e precisam. às vezes me aperreio, quando a menina mais nova diz que está com fome e não tenho o que dar para ela comer”, conta, enquanto prepara um cuscuz para o café da manhã.O marido dela, Nelson José de Oliveira, 51, não agüenta mais trabalhar e isso é visível. A família não tem acesso a nenhum meio de comunicação, seja televisão ou rádio. “Só os meninos é que fazem zoada (barulho). Peguei um aparelho de TV, mas acabou queimando por causa das goteiras”, afirma, em tom de brincadeira, provocando a gargalhada inocente dos filhos.

De acordo com o secretário de Infra-estrutura de Araçoiaba, Márcio Leão, desde 2006, existe um projeto para a criação de um conjunto habitacional para as famílias que estão na 
área invadida. Segundo ele, o processo de licitação já foi concluído e a prefeitura aguarda a liberação dos recursos para o início da obra.

O assessor de gabinete Rinaldo Rufino ainda informa que foi realizado um curso em parceria com o Sebrae para a implementação de uma cultura alternativa para o período de entressafra, em que 48 agricultores foram capacitados. “É inegável que as áreas rurais sofrem dificuldades. Por enquanto, estamos priorizando o transporte”, reconhece Rufino.

Saiba mais

Araçoiaba é o município mais novo de Pernambuco e foi criado em 14 de julho de 1995, quando se desmembrou de Igarassu. A cidade surgiu como engenho e o nome significa “Terras de Estevão”, antigo proprietário do local. Na segunda Guerra Mundial, a área serviu para o treinamento de soldados alemães. Até o início do século 19, a cidade era conhecida como Chã do Monte Aratangi e depois, por Chã de Estevão.



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